Apesar de vivermos numa sociedade moderna ainda existem muitos assuntos tabu.
Alguns, mesmo não aceitando, compreendo a razão para serem assuntos tabu. Outros, não consigo mesmo entender. O aborto involuntário é um deles!
Nunca pensei que fosse um assunto tabu, até vivê-lo na pele.
Sim, tenho a melhor filha do mundo... mas também tenho uma estrela que partiu sem que a pudesse ver crescer!
Durante três meses vivi a intensidade de uma primeira gravidez! Criei expectativas, sonhos e planos que ao fim desses meses, em minutos se desvaneceram.
Ouvi sozinha e em silêncio, a voz de uma médica que me disse com toda frieza que "Um coração que não bate é um coração que está morto!"
Não estava preparada para ouvir aquilo! Não estava preparada para viver tudo o que viria a seguir! Ninguém está!
Para além da dor emocional ser gigante, a dor física também não foi mais fácil de aguentar. E se emocionalmente, eu não queria aceitar a realidade, fisicamente o meu corpo também reteve tudo como se não quisesse expulsar de dentro de mim aquele ser que eu já amava!
Mas pior do que qualquer bloco operatório, foi ouvir certos comentários ou aceitar certos silêncios.
E é aqui que estão os tabus!
As pessoas preferem desvalorizar o que aconteceu, do que preocuparem-se com aquilo que uma mãe ou pai sentem após uma perda deste género!
Não acreditam? Eu também não acreditava, mas tive algumas surpresas negativas.
"Isso passa!", "Há coisas piores!", "Se tivesses uma doença grave era bem pior!", "Volta a engravidar que logo esqueces!" - Perdi a conta das pessoas que me disseram frases deste género.
E aqueles que se remeteram ao silêncio e nunca perguntaram se estava bem, ou se precisava de alguma coisa? Não me venham com aquela conversa de que não sabiam o que dizer! Por muito que se digam clichés é melhor estar presente do que estar ausente.
Podia achar que o problema era apenas meu, até que através da Internet, descobri milhares de pessoas que sofriam as consequências de uma perda gestacional. Histórias bem piores do que a minha. E foi assim que conheci o projecto Artemis.
Foi através desta associação que vi a forma errada como a sociedade lida com a perda gestacional.
Para aqueles que ainda não acreditam no que vos digo fiquem a saber que:
1) As estatísticas que se referem às perdas até às 22 semanas estão inseridas no Relatório Anual das complicações das interrupções da gravidez, o que minimiza a perda gestacional e desrespeita os pais que perderam os seus bebés sem vontade própria.
2) Nos hospitais, em muitos casos - felizmente no meu caso não foi assim -estas mães são internadas nas mesmas enfermarias que as mães em situação de parto normal, sendo confrontadas com os recém-nascidos das outras mães felizes. É desumano!
3) No site do Sistema Nacional de Saúde, o decreto de lei que se refere à dispensa do certificado médico em caso de morte fetal, está inserido na legislação da Interrupção VOLUNTÁRIA da gravidez. Só pode ser gozo...
4) Não é prática comum, nos nossos hospitais, a disponibilização de apoio psicológico para estes casais e quando há, em casos de perda no 3º trimestre, demoram meses a começar o acompanhamento.
5) Por último, mas de grande importância, nem sempre a noticia é dada aos pais da forma mais humanizada, sobretudo nas perdas do 1º trimestre, em que médicos e técnicos de saúde desvalorizam por completo o sofrimento dos pais.
Por isso é importante quebrar tabus e sobretudo sensibilizar a nossa sociedade.
No dia 18 de Junho foi lançada a campanha "A perda gestacional existe... e tem rosto" porque segundo o Projeto Artemis "Um dos grandes tabus é a não identificação dos bebés por parte da sociedade, por parte de quem rodeia estes pais. Todos sabem que eles estavam grávidos, mas depois têm imensa dificuldade na aceitação do luto pela perda deste filho"
Para esta campanha foi realizado um video com pais que deram a cara em nome dos filhos que perderam. Percam alguns minutos e vejam este video porque vale a pena!
Vídeo: https://www.facebook.com/associacaoartemis/videos/1128277920578609/