"A perda gestacional existe e tem rosto!"

17:04:00



Apesar de vivermos numa sociedade moderna ainda existem muitos assuntos tabu.
Alguns, mesmo não aceitando, compreendo a razão para serem assuntos tabu. Outros, não consigo mesmo entender. O aborto involuntário é um deles!

Nunca pensei que fosse um assunto tabu, até vivê-lo na pele.
Sim, tenho a melhor filha do mundo... mas também tenho uma estrela que partiu sem que a pudesse ver crescer!

Durante três meses vivi a intensidade de uma primeira gravidez! Criei expectativas, sonhos e planos que ao fim desses meses, em minutos se desvaneceram.

Ouvi sozinha e em silêncio, a voz de uma médica que me disse com toda frieza que "Um coração que não bate é um coração que está morto!"

Não estava preparada para ouvir aquilo! Não estava preparada para viver tudo o que viria a seguir! Ninguém está!

Para além da dor emocional ser gigante, a dor física também não foi mais fácil de aguentar. E se emocionalmente, eu não queria aceitar a realidade, fisicamente o meu corpo também reteve tudo como se não quisesse expulsar de dentro de mim aquele ser que eu já amava!

Mas pior do que qualquer bloco operatório, foi ouvir certos comentários ou aceitar certos silêncios.
E é aqui que estão os tabus!

As pessoas preferem desvalorizar o que aconteceu, do que preocuparem-se com aquilo que uma mãe ou pai sentem após uma perda deste género!

Não acreditam? Eu também não acreditava, mas tive algumas surpresas negativas.
"Isso passa!", "Há coisas piores!", "Se tivesses uma doença grave era bem pior!", "Volta a engravidar que logo esqueces!" - Perdi a conta das pessoas que me disseram frases deste género.

E aqueles que se remeteram ao silêncio e nunca perguntaram se estava bem, ou se precisava de alguma coisa? Não me venham com aquela conversa de que não sabiam o que dizer! Por muito que se digam clichés é melhor estar presente do que estar ausente. 

Podia achar que o problema era apenas meu, até que através da Internet, descobri milhares de pessoas que sofriam as consequências de uma perda gestacional. Histórias bem piores do que a minha. E foi assim que conheci o projecto Artemis.

Foi através desta associação que vi a forma errada como a sociedade lida com a perda gestacional.

Para aqueles que ainda não acreditam no que vos digo fiquem a saber que:

1) As estatísticas que se referem às perdas até às 22 semanas estão inseridas no Relatório Anual das complicações das interrupções da gravidez, o que minimiza a perda gestacional e desrespeita os pais que perderam os seus bebés sem vontade própria.

2) Nos hospitais, em muitos casos - felizmente no meu caso não foi assim -estas mães são internadas nas mesmas enfermarias que as mães em situação de parto normal, sendo confrontadas com os recém-nascidos das outras mães felizes. É desumano!

3) No site do Sistema Nacional de Saúde, o decreto de lei que se refere à dispensa do certificado médico em caso de morte fetal, está inserido na legislação da Interrupção VOLUNTÁRIA da gravidez. Só pode ser gozo...

4) Não é prática comum, nos nossos hospitais, a disponibilização de apoio psicológico para estes casais e quando há, em casos de perda no 3º trimestre, demoram meses a começar o acompanhamento.

5) Por último, mas de grande importância, nem sempre a noticia é dada aos pais da forma mais humanizada, sobretudo nas perdas do 1º trimestre, em que médicos e técnicos de saúde desvalorizam por completo o sofrimento dos pais.

Por isso é importante quebrar tabus e sobretudo sensibilizar a nossa sociedade.

No dia 18 de Junho foi lançada a campanha "A perda gestacional existe... e tem rosto" porque segundo o Projeto  Artemis "Um dos grandes tabus é a não identificação dos bebés por parte da sociedade, por parte de quem rodeia estes pais. Todos sabem que eles estavam grávidos, mas depois têm imensa dificuldade na aceitação do luto pela perda deste filho"

Para esta campanha foi realizado um video com pais que deram a cara em nome dos filhos que perderam. Percam alguns minutos e vejam este video porque vale a pena!

Vídeo: https://www.facebook.com/associacaoartemis/videos/1128277920578609/

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25 comentários

  1. obrigada pelo comentário <3
    é realmente uma situação muito triste, mas acaba por ser bastante comum e sem dúvida que os sistemas de saúde deviam ter em conta o sofrimento das pessoas e fazer o melhor possível, para amenizar essa dor

    www.pinkie-love-forever.blogspot.com

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    1. Esperemos que, com o tempo, o sistema mude!
      Beijinhos

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  2. Deve ter sido uma situação muito difícil, nós nem sempre temos essa sensibilidade antes de passarmos por algo parecido
    Beijinhos
    Clara Dinis
    docinhomorango7.blogspot.com

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    1. Sim, há coisas que só passando por elas! Podemos imagina, mas sentir mesmo, só quando nos acontece!
      Beijinhos

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  3. Acredito que seja uma situação muito complicada sim, ter um ser dentro de nós a crescer e de repente ter uma noticia dessas deve ser terrível.
    Gostei muito do teu post e, claro que não conhecia esta associação, mas fiquei feliz por ficar a conhecer.
    Quanto à tua perda, sinto muito mesmo o que te aconteceu mas fico feliz por hoje em dia teres uma linda princesa, apesar que ninguém ocupa o lugar de ninguém...
    Beijinho grande.

    misscokete.blogspot.pt

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    1. Obrigada pelas tuas palavras e pelo teu carinho!
      Um grande beijinho!

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  4. Muito obrigado minha querida!

    Não imagino a dor que se deve sentir e o mau momento que deve ser mas, tal como referes, parte do início aceitar e chamar o nome às coisas. Embora custe a passar, de certeza, o facto de interiorizarmos permitirá dar-se um passo em frente!

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    InstagramFacebook Oficial PageMiguel Gouveia / Blog Pieces Of Me :D

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  5. estou boqueaberta joana! Desconhecia! Que horror.
    Obrigada por partilhares e dares a conhecer esta realidade escondida..:(
    Beijinho
    elisaumarapariganormal.blogspot.pt

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    1. Infelizmente conheço demasiados casos em que as pessoas foram muito maltratadas!:(
      beijinho grande

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  6. Olá! Passei por uma perda às 8 semanas, mas felizmente no hospital foram todos impecáveis... Super atenciosos. Puseram-me sozinha e o meu marido esteve sempre comigo...menos de noite! Contudo as pessoas à volta não sabem ou não percebem o que realmente sentimos! É pena...

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    1. Ainda bem que foram impecáveis contigo. Devia ser sempre assim!
      beijinho e lamento muito a tua perda!

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  7. Boa Tarde. Concordo com tudo o que disse e tendo passado por uma situação semelhante recentemente percebi que o pai também deveria ter direito aos dias, tal como se tem para a perda de um familiar. No meu caso, o meu marido teve de tirar 1 semana de férias para me puder acompanhar e também chorar a sua dor

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    1. Sem dúvida! Os pais são muitas vezes esquecidos! As mães sofrem mas os pais também!
      BEijinho

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  8. Boa noite também passei essa dor, a primeira tinha 4 meses e a segunda 4 meses e meio e tenho duas filhas lindas que apesar de amar nunca me faz esquecer a dor que sinto

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    1. Nenhum filho substitui o outro! E amar os filhos que não chegaram a viver não significa que se ame menos os que vivem! Lamento muito as suas perdas, mas tenho a certeza que esse amor, ainda que há distância de um céu, lhe tenha permitido ser uma mãe/pai ainda melhor.
      beijinho

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  9. As tirinhas são de minha autoria, fico feliz de vê-las por aqui! Ilustrar e divulgar este tema é sempre importante pra mim!
    www.familiaemtiras.com
    Outras tirinhas sobre o tema você encontra aqui:
    http://familiaemtiras.com/index.php/category/tirinhas/perda-gestacional/

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    1. É verdade! eu não conhecia a Familia em Tiras mas gostei muito das ilustrações que vou passar a seguir!
      beijinho

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  10. Não sei se a parte da reclamação do silêncio eh válida. Assim como vc não sabia lidar com seu luto sozinha, outras pessoas não aprenderam a lidar com luto, principalmente pq naum eh todo dia que se perde alguém, muito menos por aborto. As pessoas quase nunca sabe lidar com isso e a maneira melhor do que elas fazem é ficarem em silêncio mesmo. Melhor que falar abobrinha ou ouvir repetidas vezes as mesmas perguntas ou mesmas falas comuns. Tem gente que não quer ouvir nada e só esquecer.

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    1. Percebo o que diz, mas o silêncio não é problemático! o problema é ignorarem a dor pela qual a pessoa passa. Não são precisas palavras, quando não se sabe o que dizer uma abraço é mais do que suficiente e garanto que isso falta muitas vezes!

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  11. Como foi bom ler esse texto!! A sensibilidade me comoveu por ter passado exatamente por isso à dois anos atrás. Ouvi os maiores absurdos vindo dos profissionais totalmente despreparados para "o que não deu certo",fugi com todas as forças de uma cesária mas fui colocada numa ala de partos com inúmeras gestantes parindo (estava com 23 semanas), passei pela pior dor da minha vida física e emocional pois sabia que voltaria sozinha pra casa. Gostaria de não ter ouvido da minha G.O que eu carregava uma anomalia que não ia sobreviver e que era pra eu parar de chorar pois eu estava descontrolada, gostaria de não ter ouvido do médico que me atendeu no P.S que eu era jovem e poderia ter mais quantos filhos eu quisesse, gostaria de ter tido um atendimento humano num momento de tanta dor e falta de esperança, gostaria de não ter ouvido dos parentes e conhecidos que foi melhor assim pq poderia ser uma criança "Doente", gostaria de apenas ser carregada no colo e não precisar me fazer de forte quando o que eu mais queria era sumir e sair sem destino apenas pra sentir minha dor! Hoje eu vejo uma grande movimentação querendo mudar essa triste realidade que infelizmente é comum e espero que seja breve para que aquelas famílias que passarem por isso possam sarar as feridas e continuar a sonhar e acreditar. Graças a Deus eu tive um marido maravilhoso do meu lado para me apoiar e segurar toda a barra, uma filha linda de 7 anos na época, que sofreu tanto quanto eu por desejar tanto o irmãozinho, mas passamos por tudo isso juntos com muito amor. Agradeço por essa matéria tão esclarecedora e verdadeira, isso precisa ser dito, precisa ser debatido para que as mães possam ser acolhidas e amparadas, médicos e profissionais preparados para as adversidades, mínimo de estrutura é o que se espera.

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  12. Que bom que você compartilhou!
    Por conta de um descolamento na placenta estive algumas vezes na emergência de ginecologia em um hospital público aqui em Brasília. Vi dois casos de abortos que me sensibilizaram demais. Sinta-se abraçada!
    Raquel
    http://www.familiabenedito.com.br

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  13. Eu também tive perda gestacional e o medico disse, não tem mais nada aqui e vamos fazer a curetagem. Uma das coisas que mais me magoaram foi ouvir do pai do bebê que ele não estava triste, coisas da vida. Mas meu coração estava em pedaços, mesmo assim eu não demonstrei muito e não queria ninguém com pena de mim. Ou falando clichês, era melhor acharem que eu estava bem. Alem da dor física tem a emocional e eu ouvi também, para de chorar! Isso não é motivo! Eu chorei de todo tipo de dor. Dói e como dói! Ate hoje tenho trauma disso, mesmo grávida de novo eu sempre que vou fazer xixi olho se não estou sangrando ou tenho ainda pesadelos com isso.
    As mães e os pais que sofrem a dor devem ter acompanhamento psicológico! Porque não é fácil lidar com esse tipo de dor, com a expectativa, com o amor já nascendo por aquele mine serzinho. Se eu tivesse acompanhamento psicológico não teria engravidado outra vez, achei que minha dor e frustração iriam passar, que o pai iria ficar feliz, amargo engano. Amarissimo engano.

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  14. É realmente uma situação que só deve compreender quem passa por isso. É muito triste que se tenha essa insensibilidade como se o feto não fosse algo já sentido como filho para quem planeia toda a gravidez... Mas foi muito bom que partilhasses a tua experiência. Acreditamos que tenha sido duro para ti esta partilha, mas com toda a certeza será muito importante no apoio e informação a outras mulheres. Ficam os nossos parabéns e bem-haja pela atitude. Ficamos felizes em saber que no final correu o melhor possível e conseguiste uma princesa... Desejamos toda a felicidade!

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  15. Há momentos em que nada que se diga faz sentido. Receba meu carinho. Um abraço, uma troca de olhar, muitas vezes dizem muito mais que palavras.
    Obrigada pelo texto.
    Parabéns pela campanha.
    Que a humanização da sociedade também alcance o âmbito da perda gestacional.

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